Por: Mauricio Xavier e Júlia Gouveia
Conteúdo da notícia:
* Número de alunos em acompanhamento
psicológico;
* Principais motivos
* 10 Sinais que a criança precisa de Psicoterapia;
* Que tipo de pai você é?
Número de
crianças atendidas em consultórios de psicologia dobra
Na sala de aula do
4º e do 5º ano do ensino fundamental, a professora pergunta: “Quem faz
terapia?”. Metade dos alunos, por volta dos 10 anos, levanta a mão. A cena,
ocorrida na semana passada no Colégio Nossa Senhora do Morumbi, ilustra o
recente aumento na procura por atendimento psicológico infantil na capital.
Segundo levantamento de VEJA SÃO PAULO realizado em dez dos consultórios que
mais atendem pessoas dessa faixa de idade, o número de pacientes abaixo dos 13
anos dobrou nos últimos dez anos. Entre os menores, até 3 anos, o índice
triplicou. Pipocam até casais grávidos: quando o rebento vem ao mundo, é
incluído nas sessões.
A corrida em busca
do tratamento, aumenta nesta época do ano, devido à divulgação do boletim do
primeiro trimestre. Pais e professores queimam neurônios em reuniões, e o
psicólogo entra na pauta.
Vários motivos
contribuíram para o fenômeno. Um deles é positivo: procurar ajuda para
resolver questões da mente deixou de ser tabu. Os demais, no entanto,
sugerem exagero dos pais na dose. “Eles estão atrapalhados.
Reclamam até que o filho não quer tomar banho, quando isso é normal!”. As
escolas também carregam culpa. “O tipo clássico encaminhado pelo colégio é o do
bagunceiro inteligente, que atrapalha a aula”, diz a psicanalista Miriam Ribeiro
Silveira, vice-presidente do Departamento de Saúde Mental da Sociedade Paulista
de Pediatria. Até a sociedade contemporânea entra na conta. “Hoje,
timidez é tratada como fobia social, tristeza virou depressão e bagunça é
hiperatividade”, critica Yves de La Taille, educador aposentado
da USP. O incrível é que há motivações ainda mais prosaicas.“Virou sinal de
status: tenho paciente de 9 anos que só vem à terapia
porque as amigas fazem”,
conta Anderson Mariano, formado em psicomotricidade, especialidade que ajuda
pessoas com dificuldade de movimento e locomoção.
* SEPARAÇÃO DOS
PAIS
Há trinta anos, a
criança com pais separados era a diferente entre os colegas. Hoje, quem tem os
dois em casa talvez seja o alienígena. É fato que a popularização
colaborou para que o assunto seja tratado com mais leveza. O curioso é que
existam crianças que não só toleram, como aprovam a prática. “Algumas sugerem
aos amiguinhos que é até bom forçar o divórcio, porque os pais passaram a pegar
menos no pé”, conta a terapeuta Ana Beatriz Chamati. Os especialistas costumam
concordar que, por si só, a separação nem sempre traz danos. “O que precisa
haver é o contato constante dos filhos com a figura materna e a paterna”,
explica Maria Thereza de Barros França, membro da Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo.
Mas é ilusão pensar
que os problemas se extinguiram. “Na nova configuração familiar que surgiu,
todo mundo parece bem. Mas, durante as sessões, o bonequinho que apanha é o do
meio-irmão”, exemplifica a psicanalista Miriam Ribeiro Silveira.
* HIPERATIVIDADE
O transtorno do
déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) é um problema neurobiológico, de
causas genéticas, que se manifesta na infância. Crianças com os sintomas da
doença enfrentam dificuldade para acompanhar o ritmo dos colegas na escola,
entre outros problemas. Pelos números oficiais das entidades médicas, o déficit
atinge uma parcela mínima da população (3%). Apesar disso, vem sendo
diagnosticado com frequência cada vez maior. “Os próprios pais fazem pressão.
Se uma criança não aprende, sofre menos preconceito ao ser tachada de
hiperativa”.
A falta de contato
físico dentro de casa (os pais muitas vezes chegam quando os filhos estão
dormindo) contribuiria para isso. “Certa vez, promovi uma oficina de histórias
para uma pesquisa. Os pais não conseguiam contá-las por falta de hábito e
pediam ajuda aos avós”, diz a professora Ivonise Fernandes da Motta,
coordenadora do Laboratório em Criatividade e Desenvolvimento Psíquico da USP.
A hiperatividade também viria da falta de uso do corpo. “Hoje as crianças não
gastam energia e ficam mais ansiosas. Ou seja, trata-se mais de ansiedade
física que psicológica”, diz o psicomotricista Anderson Mariano.
* VIDA DIGITAL
Camilla Duarte, de
13 anos, sempre foi tímida. Quase sem amigos, pouco participava das atividades
no colégio. Para compensar, acabou se isolando na frente do computador, onde
ficava a maior parte do tempo. No ano passado, a mãe, a coordenadora pedagógica
Elisabete, ligou o sinal de alerta. “Vi conversas dela com desconhecidos e não
gostei.Tentei proibir, mas não deu certo”,diz. Acabou levando a menina à
terapia, e ela obteve resultados positivos. “Eu tinha muita vergonha na hora de
conhecer uma pessoa, hoje me sinto mais à vontade”, conta Camilla. No entanto,
mais do que servirem de rota de fuga para quem já apresenta dificuldade, as
novas tecnologias estão entre as causas do aumento dos problemas de interação
social. “As crianças pouco escrevem, só trocam fotos. Elas
estão perdendo o dom da conversa, como se fossem autistas”,
afirma a psicanalista Miriam Ribeiro Silveira.
Nesse cenário, os
videogames costumam ser associados à obtenção rápida de prazer.
No mundo real, objetivos demoram a ser atingidos, seja aprender álgebra, seja
se tornar um craque de futebol. “Joguinhos trazem
retorno imediato”, diz a psicóloga Giovana del Prette,
especialista em terapia comportamental. A chamada geração multitarefa também
não anda dando conta de tantos afazeres. Com isso, é comum ocorrer queda no
desempenho escolar. “Tenho uma paciente de 12 anos que ri por fazer a lição da
escola de qualquer jeito enquanto conversa no WhatsApp e acessa o Facebook”,
conta a psiquiatra Suzana Grünspun. Os pais se queixam do excesso de
tempo que o filho permanece plugado, mas o controle deveria ser deles mesmos. A
receita dos profissionais é estabelecer horários específicos para os jogos
durante o dia e tirar os equipamentos de circulação nos momentos de estudo.
* MEDOS
Coitado do
bicho-papão. O monstro que povoou os pesadelos de gerações passadas foi
substituído por aflições mais realistas pela turma de hoje. O
mundo está menos seguro e o medo paterno da violência urbana acabou transmitido
aos filhos. Crianças de 10 anos falam nos consultórios sobre
a possibilidade de ser sequestradas e, por vezes, apresentam crises de
pânico.Com esse quadro, arriscam-se cada vez menos. Décadas atrás, a rebeldia
pré-adolescente costumava ser acompanhada pelas clássicas fugas da residência.
Agora, ninguém mais ousa pôr o pé para fora do portão. “Um paciente de 12 anos
me disse: ‘Qual criança vai querer sair de casa? Lá fora é muito pior’”, conta
a terapeuta Giovana del Prette.
Não é só o estresse
dos adultos que está replicado: suas doenças também. “Atendi um menino de 9
anos com úlcera nervosa”, diz Quézia Bombonatto, diretora da Associação
Brasileira de Psicopedagogia. É comum ainda que os profissionais tratem de
fobias específicas e inusitadas. Matheus Ramos, por exemplo, começou a sentir
medo de ingerir alimentos vermelhos por volta dos 4 anos. Diagnosticado com
transtorno alimentar, foi levado a uma psicóloga. Hoje, aos 7, sua fruta
favorita é maçã.
* ADAPTAÇÃO ESCOLAR
Um estereótipo
comum nos colégios é o aluno quieto e isolado, com dificuldade de integrar-se
aos colegas. Em outros tempos, esse tipo de comportamento era associado a
questões da própria criança, como timidez, ou à rejeição do grupo, pelos mais
variados motivos. Pois essa figura tornou- se mais frequente no pátio durante o
recreio. Por diversos fatores — como a interação com menos pessoas hoje do que
em outras épocas —, os pequenos estão mais calados.
* FRUSTRAÇÕES
Esse tema é
praticamente unânime entre psicólogos, psicanalistas, psiquiatras e terapeutas,
seja qual for a linha de atuação. As crianças de hoje são mais mimadas. Os pais
passam menos tempo ao lado dos filhos — porque não moram juntos ou trabalham
demais — e tentam compensar essa “deficiência” da pior forma possível,
esquecendo-se de dizer a palavrinha mágica “não”. Os consultórios estão
abarrotados de “reizinhos da casa” que não conseguem lidar com as frustrações
naturais da vida. “Impor limites é mostrar cuidado. A criança se sente mais
confiante e protegida”, afirma a professora Ivonise Fernandes da Motta.
Segundo
especialistas, a facilidade está criando uma geração com tédio
existencial. Como batalham pouco, não valorizam o que ganham.
“Elas estão recebendo tudo de mão beijada, e é importante cultivar
desejos”, diz a psicanalista Miriam Ribeiro Silveira.
10 SINAIS DE QUE A
CRIANÇA DEVE FAZER TERAPIA
Segundo
especialistas, os pais precisam aguardar por mudanças significativas de
comportamento.
1.Agitação — Mostra
alto grau de ansiedade ou tem atitudes como quebrar objetos de propósito;
2.Agressividade —
Grita, esperneia, bate e protagoniza birras, tanto em casa como no colégio;
3.Alimentação —
Passa a comer mais, ou menos, que o usual; em alguns casos, pode deixar de se
alimentar;
4.Aprendizado —
Tira muitas notas baixas nas provas e tem queda geral no rendimento escolar;
5.Comunicação — Não
consegue contar uma história do começo ao fim ou explicar como foi seu dia;
6.Depressão — Chora
mais e fica de mau humor; a irritação também é um traço comum na depressão
infantil;
7.Desligamento —
Não presta nenhuma atenção no que lhe dizem ou no que está ocorrendo à sua
volta
8.Medo — Começa a
apresentar fobias exageradas e repentinas, sem motivação aparente;
9.Socialização —
Não faz mais amigos, ou se distancia dos antigos, e tem dificuldade para
brincar em conjunto;
10.Sono — Faz xixi
na cama (fora da idade em que é natural), range os dentes ou começa a ter
pesadelos frequentes.
QUE TIPO DE PAI
VOCÊ É?
Os estilos de
educação mais praticados dentro de casa
› Ensino moral: os
pais transmitem valores sobre o que é certo e o que é errado;
› Monitoria
positiva: ficam atentos à criança e oferecem afeto sem vinculá-lo a um prêmio
por bom comportamento;
› Abuso físico: os
pais exageram nas broncas agressivas e chegam a utilizar a palmada;
› Disciplina
relaxada: não apresentam coerência - uma regra que vale hoje pode passar a não
valer amanhã;
› Monitoria
negativa: trancam o filho em uma bolha para protegê-lo do mundo;
› Negligência: não
prestam atenção na criança e desconhecem seus gostos pessoais;
› Punição
inconsistente: ameaçam retirar regalias, a exemplo do celular, como forma de
tentar controlar seu comportamento.